Marcelo Dutra da Silva

O clima está diferente e não estamos preparados

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Já perdi as contas de quantas vezes tentei alertar sobre o nosso cenário de mudanças no clima. Um esforço compartilhado por muitos, apesar da descrença que ainda prevalece. E mesmo aqueles que desconsideram as evidências, porque não as enxergam ou porque é conveniente negar, estão ficando preocupados e começam a perceber que não dá mais para "tapar o sol com a peneira". O que é bom, mas não basta.

A notícia de que seríamos atingidos por um ciclone subtropical no ano passado gerou muita preocupação. O fenômeno com a promessa de causar neve na Serra e ventos de 110 Km/h no litoral rapidamente tomou conta das redes sociais e grupos de aplicativo. Mensagens horrorosas, incluindo áudios aterrorizantes de serviços especializados em meteorologia, propagando o medo e apreensão, diante de uma possível catástrofe. No fim, os estragos foram moderados e nada passou de um grande susto, pelo menos no litoral. Porém, o que deveria ter servido de mais um alerta de nada adiantou e seguimos torcendo para não acontecer outra vez. Não funcionou!

Não é preciso ser um expert em clima ou conhecer detalhes dos fenômenos ecológicos de troca de matéria e energia para perceber que tudo está ficando diferente. Estamos sendo alcançados pelas mudanças climáticas e não estamos preparados para episódios de frio extremo, ventos fortes, precipitações volumosas, secas prolongadas e ondas de calor. Da mesma forma, não estamos atentos ao que nos torna mais vulneráveis, tampouco parecemos preocupados com as chuvas, nossa maior ameaça. A falta de investimentos em prevenção e adaptação nos coloca em situação difícil, sobretudo os que já vivem em situação de vulnerabilidade social.

Vivemos em uma cidade carregada de problemas e negar isso não ajuda em absolutamente nada. Pelotas cresce sem considerar os riscos envolvidos na ocupação irregular dos ambientes de margem, tampouco os prejuízos da expansão do espaço construído sobre áreas baixas, planas e úmidas remanescentes, que vai muito além da supressão de habitats e extermínio de espécies significativas para a coleção da biodiversidade.

Edificar sobre essas áreas compromete serviços ambientais importantes e traz, em consequência, a perda do efeito esponja, que se traduz na capacidade de reter grandes volumes de água, prevenindo cheias e alagamentos. Na prática, estamos fazendo tudo ao contrário, dando pouca importância aos volumes de precipitação, impermeabilizando cada metro quadrado do terreno, sem corrigir o sistema de drenagem, que permanece pouco eficiente, obstruído e misturado com o esgoto, expondo a todos ao perigo.

O que estamos vendo acontecer na Serra, neste momento, não é um evento isolado. Só neste ano é o terceiro episódio climático extremo, sendo que o anterior, em junho, nos atingiu em cheio. E se este ano está assim e as mudanças continuam em ritmo acelerado, não há motivos para pensar que no próximo será diferente. Pelo contrário, precisamos estar melhor preparados para o que está por vir. No meu laboratório, na Universidade, estamos reunindo os dados de precipitação, temperatura e velocidade do vento dos últimos 50 anos. É impressionante o quanto tudo está diferente na nossa região. Aliás, já fiz essa mesma fala na Câmara de Vereadores de Pelotas e a sensação que tenho é que quem ouviu esqueceu do que eu disse cinco minutos depois.

Estamos em uma trajetória sem volta e precisamos nos adaptar e prevenir. Não podemos recorrer ao socorro como única estratégia, depois que algo acontece. O prejuízo é enorme e vidas estão sendo perdidas. Está na hora de levantar este debate público, que não é só técnico, mas também político, de decisão e escolhas, quanto ao tipo de cidade que queremos construir e que futuro queremos projetar para as próximas gerações, para os nossos filhos e netos.

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